Beatriz Farrugia
Agosto de 2021
Agosto de 2021
Em 2007, quando o Brasil foi escolhido sede da Copa do Mundo de 2014, o governo afirmou que os projetos de infraestrutura programados para o evento beneficiaram a população no médio e longo prazo. No entanto, sete anos após o torneio, as 12 cidades-sede ainda aguardam o legado prometido.
Um levantamento inédito mostrou que 30% dos projetos de infraestrutura anunciados como o legado da Copa do Mundo não foram concluídos até hoje.
Por meio de 230 pedidos de Lei de Acesso à Informação (LAI) a 33 órgãos públicos brasileiros durante três meses, foi possível descobrir o status de 121 projetos de infraestrutura prometidos para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil.
O uso da LAI foi necessário para investigar os projetos porque o site oficial da transparência pública da Copa do Mundo no Brasil fora tirado do ar em 2018. Para acessar todos os documentos e contratos coletados durante esta investigação, clique aqui.
Os 121 projetos de infraestrutura são divididos em quatro categorias (mobilidade urbana, aeroportos, portos e estádios), e envolvem as 12 cidades-sedes: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Salvador, Natal, Recife, Fortaleza e Manaus.
Esses projetos foram listados em um documento oficial chamado Matriz de Responsabilidade da Copa do Mundo, criado em 13 de janeiro de 2010.
Entre 2010 e 2014, a Matriz de Responsabilidade sofreu diversas alterações, com projetos sendo excluídos ou adicionados. Mas, ao todo, 121 projetos de infraestrutura foram oficialmente apresentados.
Um levantamento inédito mostrou que 30% dos projetos de infraestrutura anunciados como o legado da Copa do Mundo não foram concluídos até hoje.
Por meio de 230 pedidos de Lei de Acesso à Informação (LAI) a 33 órgãos públicos brasileiros durante três meses, foi possível descobrir o status de 121 projetos de infraestrutura prometidos para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil.
O uso da LAI foi necessário para investigar os projetos porque o site oficial da transparência pública da Copa do Mundo no Brasil fora tirado do ar em 2018. Para acessar todos os documentos e contratos coletados durante esta investigação, clique aqui.
Os 121 projetos de infraestrutura são divididos em quatro categorias (mobilidade urbana, aeroportos, portos e estádios), e envolvem as 12 cidades-sedes: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Salvador, Natal, Recife, Fortaleza e Manaus.
Esses projetos foram listados em um documento oficial chamado Matriz de Responsabilidade da Copa do Mundo, criado em 13 de janeiro de 2010.
Entre 2010 e 2014, a Matriz de Responsabilidade sofreu diversas alterações, com projetos sendo excluídos ou adicionados. Mas, ao todo, 121 projetos de infraestrutura foram oficialmente apresentados.
Dentre as quatro categorias de projetos, apenas os estádios foram 100% concluídos e entregues antes da Copa de 2014. As outras três categorias contabilizam obras incompletas até hoje.
Somente 64,4% dos projetos de infraestrutura prometidos para a Copa foram concluídos até junho de 2021. Portos, aeroportos e mobilidade urbana acumulam 37 obras inacabadas ou totalmente abandonadas. Considerando que não foi possível verificar o status de seis projetos, esse número pode ser ainda maior.
Os motivos para os projetos não terem sido concluídos são vários e vão desde atrasos em licitações, desapropriações, e licenças ambientais, até a demora na liberação de verba e imprevistos durante a execução das obras.
No entanto, de acordo com especialistas, a maioria desses problemas poderia ter sido evitada com a realização de estudos preliminares adequados.
“Esse problema se resolve com planejamento e um projeto executivo bem feito. No projeto, você consegue identificar todos os possíveis riscos: se tem patrimônio arqueológico no meio do caminho, se precisa desalojar uma comunidade, se a área do projeto afeta alguma aldeia indígena”, disse Rodrigo Prada, do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), que acompanha os projetos de infraestrutura para a Copa do Mundo no Brasil desde que foram anunciados.
Prada afirmou também que o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) contribuiu para que muitos projetos fossem executados sem estudos devidos.
Instituído em 2011 pela Lei Federal nº 12.462, o RDC tinha como objetivo permitir mais flexibilidade, rapidez e desburocratização nas licitações e contratações públicas para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil. Mas, na prática, gerou alguns efeitos negativos.
“O RDC permitiu a contratação de uma obra sem um projeto adequado. A maior parte das obras realizadas em regime RDC sofrem com atrasos e estouro de orçamento”, disse Prada.
Os projetos de infraestrutura da Copa do Mundo no Brasil foram financiados por linhas de crédito concedidas pelo governo federal, como o Programa Pro-Transporte, da Caixa Econômica Federal, para as obras de mobilidade, e o ProCopa Arenas, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para os estádios.
Segundo o arquiteto e urbanista Emilio Merino, que acompanhou a preparação de Porto Alegre para o torneio, a grande concessão de verba no período pré-Copa fez com que cidades e governos regionais apresentassem projetos de infraestrutura indiscriminadamente.
“As obras da Copa não foram obras para a Copa, pois não eram essenciais para os jogos nem para cumprir os requisitos da Fifa. Aproveitamos que o governo federal iria liberar verba para a Copa e incluímos uma lista de obras que estávamos há muito tempo esperando para serem feitas por falta de dinheiro”, disse.
Porto Alegre foi a cidade com o maior número de projetos de infraestrutura para a Copa do Mundo: 17. No entanto, apenas 11 foram concluídos até hoje, o que representa 64% do total.
O cenário é ainda pior em Manaus e Cuiabá, onde somente 40% dos projetos de infraestrutura foram concluídos, segundo os dados coletados via LAI.
“Em Manaus, só houve melhoria no aeroporto. Acreditávamos que haveria um legado para a cidade, mas fomos enganados. As pessoas ficaram chateadas e desacreditadas”, disse Daniele de Souza e Souza, moradora da cidade.
No entanto, de acordo com especialistas, a maioria desses problemas poderia ter sido evitada com a realização de estudos preliminares adequados.
“Esse problema se resolve com planejamento e um projeto executivo bem feito. No projeto, você consegue identificar todos os possíveis riscos: se tem patrimônio arqueológico no meio do caminho, se precisa desalojar uma comunidade, se a área do projeto afeta alguma aldeia indígena”, disse Rodrigo Prada, do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), que acompanha os projetos de infraestrutura para a Copa do Mundo no Brasil desde que foram anunciados.
Prada afirmou também que o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) contribuiu para que muitos projetos fossem executados sem estudos devidos.
Instituído em 2011 pela Lei Federal nº 12.462, o RDC tinha como objetivo permitir mais flexibilidade, rapidez e desburocratização nas licitações e contratações públicas para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil. Mas, na prática, gerou alguns efeitos negativos.
“O RDC permitiu a contratação de uma obra sem um projeto adequado. A maior parte das obras realizadas em regime RDC sofrem com atrasos e estouro de orçamento”, disse Prada.
Os projetos de infraestrutura da Copa do Mundo no Brasil foram financiados por linhas de crédito concedidas pelo governo federal, como o Programa Pro-Transporte, da Caixa Econômica Federal, para as obras de mobilidade, e o ProCopa Arenas, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para os estádios.
Segundo o arquiteto e urbanista Emilio Merino, que acompanhou a preparação de Porto Alegre para o torneio, a grande concessão de verba no período pré-Copa fez com que cidades e governos regionais apresentassem projetos de infraestrutura indiscriminadamente.
“As obras da Copa não foram obras para a Copa, pois não eram essenciais para os jogos nem para cumprir os requisitos da Fifa. Aproveitamos que o governo federal iria liberar verba para a Copa e incluímos uma lista de obras que estávamos há muito tempo esperando para serem feitas por falta de dinheiro”, disse.
Porto Alegre foi a cidade com o maior número de projetos de infraestrutura para a Copa do Mundo: 17. No entanto, apenas 11 foram concluídos até hoje, o que representa 64% do total.
O cenário é ainda pior em Manaus e Cuiabá, onde somente 40% dos projetos de infraestrutura foram concluídos, segundo os dados coletados via LAI.
“Em Manaus, só houve melhoria no aeroporto. Acreditávamos que haveria um legado para a cidade, mas fomos enganados. As pessoas ficaram chateadas e desacreditadas”, disse Daniele de Souza e Souza, moradora da cidade.
o mito da mobilidade urbana
Em setembro de 2011, o então ministro do Esporte do Brasil, Orlando Silva, exaltou que a Copa do Mundo poderia catalisar melhorias de mobilidade urbana: “Temos uma grande oportunidade de executar planos de investimentos e de melhorar a qualidade dos serviços nas grandes cidades, sobretudo o transporte público.”
Mesmo sendo a principal promessa de legado, a mobilidade urbana foi a que menos avançou: somente 47% dos projetos prometidos foram concluídos até junho de 2021.
A maioria dos projetos abandonados ou inacabados são sistemas de ônibus de trânsito rápido (BRTs) e veículos leves sobre trilhos (VLTs).
Em Manaus, foram prometidos o BRT Leste /Centro e o Monotrilho Norte/ Centro, cada um com mais de 20 km de extensão. O primeiro nunca foi iniciado, e o segundo foi suspenso em 2013.
No entanto, é em Cuiabá que se encontra o caso mais emblemático. Inicialmente, a cidade iria implantar um sistema BRT, mas, em 2011, o então governador Silval Barbosa mudou os planos e determinou a construção de um VLT para ligar o aeroporto de Várzea Grande ao centro hoteleiro de Cuiabá.
Com as obras paradas desde dezembro de 2014 devido a uma série de atrasos e problemas, o governo desistiu do VLT e voltou a analisar a opção do BRT. Durante o imbróglio, foram gastos R$ 831 milhões, mas nada foi entregue. Os trens estão parados desde 2013 em um terreno ao lado do aeroporto. Hoje, o VLT é o projeto inacabado mais caro da Copa do Mundo no Brasil.
Mesmo sendo a principal promessa de legado, a mobilidade urbana foi a que menos avançou: somente 47% dos projetos prometidos foram concluídos até junho de 2021.
A maioria dos projetos abandonados ou inacabados são sistemas de ônibus de trânsito rápido (BRTs) e veículos leves sobre trilhos (VLTs).
Em Manaus, foram prometidos o BRT Leste /Centro e o Monotrilho Norte/ Centro, cada um com mais de 20 km de extensão. O primeiro nunca foi iniciado, e o segundo foi suspenso em 2013.
No entanto, é em Cuiabá que se encontra o caso mais emblemático. Inicialmente, a cidade iria implantar um sistema BRT, mas, em 2011, o então governador Silval Barbosa mudou os planos e determinou a construção de um VLT para ligar o aeroporto de Várzea Grande ao centro hoteleiro de Cuiabá.
Com as obras paradas desde dezembro de 2014 devido a uma série de atrasos e problemas, o governo desistiu do VLT e voltou a analisar a opção do BRT. Durante o imbróglio, foram gastos R$ 831 milhões, mas nada foi entregue. Os trens estão parados desde 2013 em um terreno ao lado do aeroporto. Hoje, o VLT é o projeto inacabado mais caro da Copa do Mundo no Brasil.
“Tem uma cicatriz no meio da cidade. Não tem VLT, não tem BRT, e tem um monte de buracos abertos onde deveria existir um trilho”, disse Angélica Cassiano Costa, moradora de Cuiabá.
Ao contrário dos outros projetos, o monotrilho de São Paulo, a maior cidade do Brasil, não foi abandonado e ainda está em execução. Mas o projeto, chamado de Linha 17-Ouro, com 18 km de extensão e única obra de mobilidade prometida para a Copa na cidade, ainda está na fase 1. Mesmo assim, desde 2012, o custo total aumentou de R$ 2,86 bilhões para R$ 4,10 bilhões.
De acordo com a diretora-executiva da ANPTrilhos, Roberta Marchesi, os projetos de mobilidade urbana, principalmente os que envolvem transporte sobre trilhos, são de longo prazo e precisam ser planejados com pelo menos oito anos de antecedência.
“O planejamento de infraestrutura precisa começar no momento da candidatura do país para o mega evento esportivo, e não apenas depois que ele é escolhido sede. O grande problema é esperar virar sede para começar a executar as obras”, disse a especialista.
“Infelizmente, o Brasil perdeu a oportunidade de criar e de usufruir de um sistema de mobilidade mais avançado durante a Copa do Mundo”, concluiu Marchesi.
De acordo com a diretora-executiva da ANPTrilhos, Roberta Marchesi, os projetos de mobilidade urbana, principalmente os que envolvem transporte sobre trilhos, são de longo prazo e precisam ser planejados com pelo menos oito anos de antecedência.
“O planejamento de infraestrutura precisa começar no momento da candidatura do país para o mega evento esportivo, e não apenas depois que ele é escolhido sede. O grande problema é esperar virar sede para começar a executar as obras”, disse a especialista.
“Infelizmente, o Brasil perdeu a oportunidade de criar e de usufruir de um sistema de mobilidade mais avançado durante a Copa do Mundo”, concluiu Marchesi.
DesapropriaCOES
Ao invés de serem beneficiadas pelos projetos de infraestrutura para a Copa do Mundo, milhares de brasileiros foram prejudicadas. Movimentos sociais calculam que cerca de 250 mil pessoas tenham sido desalojadas ou removidas de suas casas devido às obras de infraestrutura do torneio.
Em Cuiabá, mesmo com o projeto do VLT estagnado, foram abertos 359 processos de remoções ou reintegrações de posse, de acordo com dados coletados via LAI.
Em Fortaleza, o projeto do VLT Parangaba-Mucuripe gerou 3.092 processos de desapropriações, disse a Secretaria de Infraestrutura (Seinfra).
Também ocorreram remoções em outras cidades, como Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.
A família de Geilson Sampaio é uma das que tiveram a casa demolida para a construção do monotrilho de São Paulo. Ao todo, foram retiradas 461famílias das favelas do Buraco Quente e Comando.
Os moradores foram comunicados em 2012 de que deveriam deixar suas casas. Em 2013, começaram as demolições.
Em Cuiabá, mesmo com o projeto do VLT estagnado, foram abertos 359 processos de remoções ou reintegrações de posse, de acordo com dados coletados via LAI.
Em Fortaleza, o projeto do VLT Parangaba-Mucuripe gerou 3.092 processos de desapropriações, disse a Secretaria de Infraestrutura (Seinfra).
Também ocorreram remoções em outras cidades, como Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.
A família de Geilson Sampaio é uma das que tiveram a casa demolida para a construção do monotrilho de São Paulo. Ao todo, foram retiradas 461famílias das favelas do Buraco Quente e Comando.
Os moradores foram comunicados em 2012 de que deveriam deixar suas casas. Em 2013, começaram as demolições.
“A comunidade entrou em choque, pois não esperava ser removida. A favela tinha mais de 40 anos de existência e estava consolidada”, disse Sampaio.
Foram oferecidas duas opções para os moradores: uma indenização em dinheiro, baseada na avaliação do imóvel em que viviam na comunidade, ou a concessão de uma nova casa em um conjunto habitacional popular.
“Ao todo, 120 famílias escolheram a segunda opção. Mas, quase 10 anos depois, eles ainda estão esperando a moradia, pois o imóvel não foi construído”, contou Sampaio.
De acordo com Orlando Santos Junior, do instituto de pesquisa Observatório das Metrópoles, episódios como este comprovam que é inapropriado usar o termo legado para se referir a um megaevento esportivo.
“Cria-se um imaginário, um grande consenso, de que os megaeventos são positivos para a sociedade. E esse conceito acaba legitimando uma série de procedimentos de exceção. É preciso desconstruir a ideia de legado”, disse o especialista.
Casas sendo destruídas nas favelas do Buraco Quente e Comando ,em 2013. Fotos: Geilson Sampaio