Lama, mutirAo e futebol
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Dia 15 de maio de 1950. Faltavam exatamente 39 dias para o início da Copa do Mundo no Brasil. Até então, apenas cinco cidades-sede estavam definidas. Faltava escolher uma, e ainda não estava definido se o nordeste brasileiro receberia ou não algum jogo do Mundial. Na briga, estavam as cidades de Fortaleza, Salvador e Recife.
Um mês antes, Rivadávia Corrêa Meyer concedeu uma entrevista à Rádio Tamoio, no Rio de Janeiro, que foi retransmitida pela Ceará Rádio Clube, a fim de prestar esclarecimentos sobre a escolha de uma cidade-sede do nordeste. Em seguida, o cronista cearense Barbosa viajou à capital federal para entrevistar Rivadávia sobre a possibilidade de Fortaleza receber jogos do Mundial. O objetivo do jornalista era obter uma resposta satisfatória do presidente da CBD, segundo publicou o “Diário de Pernambuco” em 27 de abril. – Estará Fortaleza incluída para a sede de jogos da Copa do Mundo?, questionou Barbosa. – Inicialmente, Recife e Salvador são os pontos visados, mas desde que outras cidades do norte ofereçam condições necessárias, poderão vir a ser designadas para sede da taça Jules Rimet-, respondeu Rivadávia. – Aceitará o Senhor um convite do prefeito de Fortaleza para observar as condições de nossos campos? – Com o maior dos prazeres aceitaria o convite, mesmo porque seria uma honra aceitar tal oferecimento. – O senhor falou em condições para que uma cidade qualquer possa vir a ser sede da Copa do Mundo, quais seriam essas condições?, perguntou o cronista. – Bem, para exemplificar, posso citar o caso de Belo Horizonte, onde a prefeitura local se responsabilizou pela cota mínima de 500 mil cruzeiros. Assim sendo, caso a renda dos jogos seja de 400 mil cruzeiros, a prefeitura contribuirá para maior grandeza desse certame com os 100 mil cruzeiros restantes. Todos nós sabemos que a despesa de todos os transportes, de avião, hospedagem etc. irão subir uma fortuna. –É verdade, senhor Rivadávia, a propalada visita do superintende da CBD ao Norte? – Sim, ele leva instruções minhas e deverá visitar Salvador, Recife, e agora Fortalez-a, explicou o presidente da CBD. Conforme anunciado por Rivadávia, Irineu Chaves, então superintendente da CBD, foi enviado ao nordeste brasileiro no mês seguinte, maio, para avaliar as cidades-sedes interessadas no evento. Primeiro, passou pela cidade de Salvador e, em seguida, dirigiu-se a Recife. Chegando à capital pernambucana no sábado, dia 13 de maio, Irineu foi ao campo da Ilha do Retiro, pertencente ao Sport Club do Recife, e ficou com uma boa impressão do que viu. Ele inspecionou o local acompanhado por membros da Federação Pernambucana de Futebol, dirigentes do Sport e jornalistas. O superintendente mediu o campo com sua própria trena e constatou as dimensões de 108 metros de comprimento por 72 de largura, compatíveis com as exigências da Fifa. No mesmo dia, Irineu se reuniu com os dirigentes do Sport, ocasião em que foram estipulados os valores dos ingressos caso os jogos fossem realizados na Ilha do Retiro. Os preços ficaram assim definidos: cadeiras numeradas nas arquibancadas a 120 cruzeiros, cadeiras numeradas na pista a 80 cruzeiros, arquibancadas a 100 cruzeiros e geral a 20 cruzeiros. Sócios do Sport, militares e crianças teriam desconto de 50%. Tudo foi anotado pelo superintendente, que mais tarde levaria os apontamentos para a comissão organizadora do Mundial. Ao fim da reunião, porém, Irineu concedeu entrevista ao “Jornal do Commércio” e disparou: “o campo da Graça, em Salvador, é imprestável”, o que já indicava que a Copa seria em Recife. No domingo, dia 14 de maio, a mesma publicação estampou em sua página de esportes a notícia: “Três jogos da Copa do Mundo no estádio da Ilha do Retiro”. Dada a repercussão da notícia na cidade, Irineu foi novamente interrogado pelo “Diário de Pernambuco” na saída de seu apartamento do Granz Hotel. “O principal motivo de minha viagem ao Norte prende-se à inspeção dos campos de futebol de Recife e Salvador a fim de verificar se os mesmos estão em ordem de serem efetuadas neles partidas internacionais em disputa da taça Jules Rimet. O meu primeiro ponto de parada foi Salvador, onde visitei o campo da Graça, constatando não ter o mesmo as dimensões exigidas pela Fifa e nem estar o gramado em boas condições. Embora houvesse boa vontade dos dirigentes baianos, não haveria tempo suficiente para por em condições de jogo, visto que o campeonato está há 40 dias”, disse o superintendente à publicação. Irineu destacou ainda que a vistoria no estádio do Sport havia lhe causado “boa impressão”. “Por quanto encontrei o campo dentro das medidas exigidas pela Fifa e o seu gramado em condições de jogo. Com as instalações projetadas, principalmente arquibancada, o campo do Sport vai ficar com capacidade para abrigar 20 mil pessoas”, disse. “Independente da construção da arquibancada, o Sport com sacrifício humanitário de seus dirigentes, vai construir dois túneis para entrada e saída dos jogadores do campo e mais um alambrado com altura de 2,3 metros. Essas obras deverão ficar prontas até o dia 19 de junho. Se isso for realmente cumprido, e uma vez se decidido pela comissão organizadora da Copa do Mundo, serão realizados aqui em Recife três jogos, sendo o primeiro dia 25 de junho”, informou Irineu ao jornal. Ao ser questionado sobre uma possível viagem a Fortaleza para inspecionar os estádios locais, Irineu afirmou: “Não. Daqui voltarei ao Rio, onde apresentarei ao presidente da CBD, Rivadávia Corrêa Meyer, que muito tem se batido pela realização de jogos do campeonato do mundo em Recife”. Neste exato momento, ficou clara a desclassificação de qualquer outra cidade que não fosse Recife, e os pernambucanos já começaram a comemorar. Segundo o jornalista esportivo pernambucano Lenivaldo Aragão, “havia muito essa disputa Rio-São Paulo e Recife-Salvador-Fortaleza. Então, o fato de ela ter sido escolhida foi uma glória”. Restava agora ao Sport realizar as reformas exigidas pela Fifa, para que a Ilha do Retiro pudesse receber os jogos da Copa de 1950. |
o primeiro chute
A história do futebol em Pernambuco tem início em 13 de maio de 1905, dia em que nasceu o Sport Clube do Recife. Projeto do pernambucano Guilherme de Aquino Fonseca, que durante anos morou na Inglaterra e assistia, deslumbrado, a como se jogava futebol, até então um esporte desconhecido por ele.
Guilherme estudou na Universidade de Cambridge, onde se formou engenheiro, e voltou a sua terra natal amando um jogo pouco conhecido no Brasil. Com a ideia na cabeça de fundar um clube no país, reuniu-se com pessoas que trabalhavam no comércio, nos bancos, nas companhias de energia, de comunicação e de transportes. Juntos no salão da Associação dos Empregados do Comércio do Recife, fundaram o Sport Club do Recife, o Leão de Pernambuco. O Sport tornava-se, então, o primeiro clube de futebol de Pernambuco, introduzindo a modalidade naquele estado. As associações já existentes em Pernambuco, como o Clube Náutico Capibaribe e o Internacional, praticavam outros esportes. Os primeiros jogos do Sport foram contra times formados pelas diversas companhias inglesas instaladas na cidade. Durante o ano de seu surgimento na cidade, o futebol de Recife viveu um período de êxtase. No ano seguinte, porém, decaiu, e em 1907 e 1908, parou definitivamente. Em 1909, o esporte deu uma nova guinada e o Náutico passou a realizar atividades futebolísticas. Até então, os jogos disputados não eram oficiais e só a partir do dia 16 de julho de 1915, quando foi fundada a Liga Esportiva Pernambucana (atual Federação Pernambucana de Futebol), o futebol passou a ser organizado. Neste ano, já haviam diversos times de futebol na cidade. Além de Sport e Náutico, existiam o João de Barros (que deu origem ao América), Santa Cruz, Torre, Flamengo, Centro Sportivo de Peres, Paulista, Casa Forte, Riachuelo, Botafogo, Paulistano, Internacional, Fluminense, Olinda, Velox e Americano. Já era possível encontrar diversos campos de futebol improvisados pela cidade, mas a preferência era pelo campo do Derby, um local melhor preparado para a prática do esporte. |
um campo no meio do mangue
Em 1934, devido à paixão que o nordestino nutria pelo futebol, a seleção brasileira desembarcou no porto de Recife, vinda de Salvador, onde jogou no campo da Graça e empolgou os torcedores. Dessa maneira, Recife foi a quarta cidade do Brasil a receber jogos da seleção.
penas Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador haviam visto o time. Foram cinco jogos na cidade, sendo quatro vitórias: 5 a 4 sobre o Sport, 3 a 1 contra o Santa Cruz, 8 a 3 no Náutico, então campeão Pernambucano, e 5 a 3 contra o combinado pernambucano. No quinto e último jogo, convidado pelo Santa Cruz para uma revanche, a seleção brasileira perdeu por 3 a 2, fazendo a alegria de todos os pernambucanos, sem importar o clube para o qual torciam. Foi a primeira marca que o futebol brasileiro deixou na cidade. No mesmo ano, os olhares se voltaram para uma chácara instalada na Ilha do Retiro. O motivo foi o assassinato do proprietário Manoel Ramos Amaral, cometido no local. Ele deixou muitos bens, mas também algumas dívidas, que aumentaram em decorrência de seus herdeiros não saberem administrá-las. Sabendo da história, o então tesoureiro do Sport, Francisco Cribari, se interessou pelo local, só que o clube não tinha verba, naquele momento, para adquirir a área. Com a ajuda do destino, em junho daquele ano, instalou-se na cidade de Recife uma filial da Companhia de Construções Residenciais do Rio Grande do Sul, com o nome de “Casa Própria”, que era uma “construtora financeira”. Cribari, então, pediu um empréstimo no valor de 100 contos de réis em nome do Sport. A empresa, por sua vez, solicitou 25 contos de réis como entrada do pagamento, mas o clube dispunha em caixa de apenas 13. Para conseguir os 12 contos de réis restantes, o Sport realizou a venda de medalhas, troféus e diplomas, e contou com doações, tudo com grande empenho por parte de Francisco Cribari. Só que o empréstimo demorou para ser liberado. Somente no ano seguinte, o clube recebeu metade do financiamento, 50 contos de réis. Mas a verba chegou tarde. O Banco de Crédito Real de Pernambuco havia aberto uma ação judicial para tomar posse da Ilha do Retiro, devido às dívidas da viúva Jardelina Amaral terem atingido 53 contos de réis. Com isso, a entidade financeira passou a ser a proprietária da Ilha. O gerente do banco e torcedor do Sport, Renato Silveira, fica sabendo da ação e informa o fato a Cribari. Ambos pedem que José Médici, um dos sócios fundadores do clube, faça uma reunião em sua casa, pois eles tinham algo muito importante a dizer. Na mesma noite, em 29 de novembro de 1935, Cribari, Renato, Oscar Raposo (um dos diretores do clube), e alguns conselheiros se reuniram na residência de Médici. Renato, então, logo anuncia a todos os presentes: – Chamei-os porque não podemos perder a oportunidade de comprar a Ilha do Retiro que está, praticamente em minhas mãos. Meu banco quer apenas o dinheiro que lhe é devido, é só isso. São 53 contos, uma pechincha, a área é excelente e todos nós já conhecemos. Como devido aterro, teremos estádio, sede e tudo mais.] Todos concordaram com a compra, mas algo poderia atrapalhar. Raposo questionou Renato dizendo que os herdeiros da Ilha queriam embargar a venda. Prontamente, Cribari afirmou já ter entrado em contato com eles e que, pela quantia de 20 contos, os herdeiros abriam mão do embargo.Para conseguir este valor, Cribari sugeriu que ele e mais três homens presentes na reunião pagassem cinco contos cada. A ideia foi aprovada por todos. Os encargos da aquisição somariam mais 15 contos de réis, que foram solicitados ao presidente do Departamento de Desportos Terrestres da Federação Pernambucana, Carlos Rios, com a promessa de que o valor seria pago com a renda dos jogos e aluguel do campo. Rios atendeu ao pedido de seu amigo Cribari, que também respondia pela direção do órgão. O lugar escolhido, porém, parecia inapropriado. “O local tinha terreno muito encharcado, porque o nível do lençol freático é muito baixo, então, com qualquer coisa, alaga tudo”, explicou Vírginia Pontual, urbanista da cidade de Recife. Próximo ao terreno da Ilha do Retirofica o rio Capibaribe. Quando chovia, o rio alagava e inundava toda a região. Alguns moradores que residiam próximo ao local, como Dona Astrogilda, contam que a área onde foi construído o estádio era um manguezal. Até caranguejo era possível caçar. Devido a estas características, o local era considerado uma das regiões mais pobres e desvalorizadas de Recife. Mas nem estes problemas impediram o Sport de adquirir o terreno para a construção de seu estádio. Então, no dia 3 de março de 1936, no Cartório de Henrique Cavalcanti, atualmente com o nome de Arnaldo Maciel, na Rua Francisco Jacinto, é repassada a Chácara da Ilha do Retiro, localizada na freguesia de Afogados, Ilha do Retiro, nº. 56, para o Sport Clube do Recife, no valor total de 88 contos de réis: 53 contos de réis pagos ao banco, 20 contos de réis dados aos herdeiros e 15 contos de réis de encargos. Com a posse definitiva da chácara, a diretoria do clube aterrou a área e definiu os locais onde seriam construídas as quadras e o campo de futebol. Numa velocidade impressionante, as construções foram iniciadas e, em apenas cinco meses, no dia 15 de agosto de 1936, foi inaugurada a quadra de basquete. Com o grande destaque do clube na cidade, o número de associados cresceu. Foi neste momento que surgiu Adelmar da Costa Carvalho (nome dado ao estádio atualmente), um dos responsáveis pela ideia de se construir no local uma quadra de tênis com iluminação artificial. No dia 21 de março de 1937, a quadra é inaugurada com a presença do governador do estado, Carlos de Lima Cavalcanti. Poucos meses depois, exatamente no dia 4 de julho, numa manhã de domingo chuvosa, o campo de futebol da Ilha do Retiro foi inaugurado e serviu como palco para a partida entre o Sport e o seu maior rival, o Santa Cruz, com os rubro-negros vencendo por 5 a 4. Eram poucas as arquibancadas, mas os arquitetos Hugo de Azevedo Marques e Palumbo já possuíam um projeto de expansão. No domingo seguinte, a Ilha do Retiro recebeu o primeiro jogo oficial, válido pelo Campeonato Pernambucano de futebol. Os adversários do Sport passaram a chamar o local de “campo do caranguejo” devido ao gramado e ao fato de os arredores da Ilha estarem constantemente encharcados. As arquibancadas do estádio, porém, ficaram prontas somente no dia 7 de setembro de 1937. Poucos meses depois da inauguração da Ilha do Retiro, foi instaurado o Estado Novo, e a política passou a interferir nos esportes e no modo de vida dos brasileiros. No final de 1937, Antonio Novaes foi designado prefeito de Recife. Logo nos primeiros dias de sua administração, ele declarou que Recife era “uma cidade onde pululavam os infectados mocambos, onde o homem não se diferençava da lama e da fauna características dos mangues e das áreas alagadas recifenses. Mudar tal imagem, extirpar essa chaga do ambiente citadino tornou-se um compromisso e uma obsessão”. Antonio Novaes foi prefeito durante todo o Estado Novo. De acordo com a urbanista Virgínia Pontual, “ele fez um grande processo de modernização da cidade”. No ano seguinte, 1938, a seleção brasileira passou por Recife para um período de desconsoantes de embarcar para a Europa rumo à terceira Copa do Mundo, que seria disputada na França. A equipe realizou um treino na Jaqueira, campo do Tramways, time bicampeão estadual. Mas a seleção usou as camisas do Sport Club do Recife. Após a boa campanha realizada no Mundial da França, a seleção brasileira retorna ao país com honras de campeã e, novamente, no dia 8 de junho, faz uma parada na cidade de Recife. Os jogadores desembarcam e se dirigem ao Grande Hotel, seguidos por uma multidão de torcedores. |
uma reforma para o mundo ver
Em 1950, a seleção voltaria a jogar na cidade. E desta vez não seria um simples amistoso ou treino, mas uma competição mundialmente conhecida. Era a 4ª Copa do Mundo de futebol. Recife seria a cidade representante da região nordeste no torneio. Mas, para isso, era necessária uma reforma na Ilha do Retiro. O clube resolveu, então, pedir o apoio de todos, inclusive da sua torcida, para realizar um mutirão para adequar o estádio.
No dia 23 de maio de 1950, houve o sorteio das chaves da Copa do Mundo, no Rio de Janeiro. As seleções da Suíça e Iugoslávia se enfrentariam no Recife. A tabela completa do Mundial indicava que a capital pernambucana receberia outros dois jogos a definir. Um deles provavelmente envolvendo as seleções da Bolívia, Portugal ou França. A seleção lusitana ainda não havia decidido se viria ao Brasil, e a França aguardava para tomar sua vaga. Dias depois, diversas notícias colocaram em risco os jogos em Recife. A seleção da Suíça se recusou a jogar no calor de Pernambuco, e Portugal decidiu não disputar o Mundial. Recife, então, corria o risco de ficar sem sediar jogos. Diante disso, o presidente da Federação Pernambucana de Desportos, Leopoldo Casado,embarcou em um avião com destino ao Rio de Janeiro para exigir explicações. Dias depois, retornou a Recife com a certeza da realização do jogo entre Bolívia e França (que entrou na vaga de Portugal) e de um novo jogo entre Estados Unidos e Chile. Recife estava novamente nos planos da Fifa. Paralelamente, as obras realizadas na ilha do Retiro seguiam em ritmo acelerado. Todos os envolvidos com o clube colaboraram carregando sacos de cimento, terra e madeira. Entre eles, Fernando Bivar e seu pai, Milton de Lyra Bivar, ex-jogador do Sport na década de 30, e também presidente, diretor, e conselheiro do clube em outras ocasiões. Segundo Fernando, “funcionários, atletas amadores do basquete, vôlei e remo carregavam cimento até à noitinha”. O jornal “Diário de Pernambuco” de 6 de junho de 1950 informou que as obras estavam orçadas “em mais 1,2 milhão de cruzeiros”. Devido ao alto valor, foram feitas doações ao clube e vendidas rifas nas ruas para arrecadar dinheiro. Durante as reformas da Ilha, Recife sofre outra baixa. A seleção francesa se retira do Mundial por não aceitar a distância de milhares de quilômetros que teria de percorrer entre as cidades de Porto Alegre e Recife, locais de seus jogos. A capital pernambucana garante, assim, apenas uma partida do Mundial em terras nordestinas. Mas os torcedores não desanimaram e continuaram a reforma da Ilha. Ainda mais porque, entre os convocados para jogar na seleção brasileira, estava Ademir de Menezes, apelidado de Queixada, jogador do Sport e que viria a ser o artilheiro da Copa. Até o momento, o campo dispunha apenas de arquibancadas centrais, com apenas 10 degraus. Foi necessária a demolição de um para-peito, destruído a marretadas, medindo 1,2m para a construção das novas arquibancadas. “Fizemos vestiários, túneis e erguemos um alambrado”, relembra Fernando Bivar. No dia 15 de junho de 1950, a seleção da Iugoslávia foi a primeira a chegar ao Brasil para a disputa da Taça Jules Rimet. Desembarcou no aeroporto de Guararapes, em Recife, para um repouso após a viagem. Permaneceu pouco tempo, mas o suficiente para fazer algumas reclamações, principalmente em relação ao calor. Um dia após a abertura da Copa, em 24 de junho, com um jogo entre Brasil e México no Maracanã, é inaugurada a nova Ilha do Retiro, em Recife. Para comemorar, foi disputado o jogo entre Sport e Santa Cruz, com uma renda de 82 mil cruzeiros, um recorde de arrecadação no estado. O Sport venceu o jogo por 3 a 2 e, pela primeira vez, a festa da torcida foi contida pelo alambrado construído para isolar o campo. Mas o grande dia foi 2 de julho de 1950. As seleções dos Estados Unidos e do Chile deixaram o Grande Hotel –onde ocupavam cerca de 60 cômodos–, rumo à lha do Retiro para disputar o jogo da Copa do Mundo. Por mais inexpressiva que poderia parecerem um primeiro momento, a partida tomou grandes proporções. Isso porque os Estados Unidos haviam protagonizado a maior zebra da história das Copas até hoje ao vencer a seleção da Inglaterra, quatro dias antes, em Belo Horizonte, por 1 a 0. O jogo na Ilha teve início às 15 horas e contava com os olhares de personalidades como o próprio Jules Rimet e alguns dirigentes e representantes diplomáticos dos dois países. Os presentes somaram um público de 8,5 mil espectadores, proporcionando renda de 288 mil cruzeiros. O único problema na Ilha foi o fato de o estádio ficar sem energia elétrica naquele dia. A Tramways foi chamada às pressas para consertar o estrago, mas não conseguiu, já que os fios estavam cortados. Isso impossibilitou a transmissão do jogo pelas rádios, e quem não estava presente ficou sem informações em tempo real sobre o que ocorria na partida. O público da Ilha do Retiro viu o Chile golear os Estados Unidos por 5 a 2. Ao fim do jogo, o estádio foi se esvaziando aos poucos, e os dirigentes sentiam o prazer do dever cumprido. Jules Rimet também se despede de Pernambuco e segue para o Rio de Janeiro, deixando para trás um sonho concretizado. |